“Não é fácil, não está sendo fácil e não será fácil”, diz ministra de Direitos Humanos cobrada por políticas de governo durante Fórum Social
Fernanda Canofre
Durante sua participação na mesa “Direitos Humanos e Educação Popular”, a ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, foi cobrada sobre posições polêmicas do governo com relação aos Direitos Humanos, no Fórum Social Mundial (FSM) Temático, nesta sexta-feira (22), em Porto Alegre.
A cobrança partiu do sociólogo português, professor da Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos, que também foi orientador da ministra em seu pós-doutorado. Boaventura parabenizou a importância de trabalhos anteriores de Nilma junto ao Conselho Nacional de Educação e como pesquisadora negra, mas fez a ressalva: “Eu quero lhe dizer que toda esta conquista está a ser posta em causa hoje aqui no Brasil. Não deixe que isso aconteça, uma vez que é a ministra da Igualdade Racial”.
Ele ainda repudiou o veto presidencial ao projeto de lei proposto pelo senador Cristovam Buarque (PDT), que previa ampliar o ensino de línguas indígenas no ensino fundamental. “Quero chamar-lhe atenção ministra, porque sei que a senhora é sensível a isto: a presidente Dilma vetou uma lei pela diversidade indígena, que a nosso entender, deve ser repudiado. Como pode que um governo de esquerda diga que a diversidade linguística é um obstáculo ao desenvolvimento deste país? Não é aceitável”, disse ele, pedindo ajuda aqueles dentro do governo que são “solidários” para que trabalhem ajudando o Brasil a manter sua “pluralidade democrática”.
Nilma – que se tornou a primeira reitora negra de uma universidade federal no Brasil, em 2013 – tomou posse no início de outubro de 2015 de um novo ministério que combinou a Secretaria de Políticas para as Mulheres, Secretaria de Políticas Públicas para Igualdade Racial e Secretaria de Direitos Humanos numa pasta única.
Ela respondeu a Boaventura: “Não é fácil, não está sendo fácil e não será fácil. Mas se tem uma coisa que aprendi com os movimentos sociais, é que não estamos sozinhos
(…) Boaventura, aceito os desafios. Naquilo que diz respeito a nossa pasta, naquilo que eu posso intervir, conte comigo, sabe que vou estar lá. Devagarzinho e sempre como sempre fiz”.
A ministra defendeu avanços sociais conquistados “devagarzinho com luta, com todas as dificuldades”, no Brasil e na América Latina nos últimos anos. Nilma destacou que se trata de “momento político difícil” e afirmou que o ministério, “ainda em fase estrutural”, tem entre suas prioridades combater o “acirramento do fundamentalismo” e “manter os direitos das pessoas acima dos interesses do mercado”. “Não se pode perder a esperança”, disse.
O fator coletivo
Além de levantar pontos sobre a situação brasileira, o painel também contou com a participação de nomes internacionais como o jurista espanhol, Baltasar Garzón, o diretor do Centro Nacional de Direitos Humanos do Marrocos, Driss El Yazami, e da sindicalista do STEPV-i, de Valencia, na Espanha, Beatriu Cardona.
Garzón, um dos fundadores do Fórum Mundial de Direitos Humanos, defendeu a necessidade de uma nova configuração para os direitos humanos que se baseie na participação política dos cidadãos e cidadãs, diante da representatividade tradicional. “Precisa-se de novos protagonistas que estejam mais apegados à realidade e que sejam mais reflexivos, ou seja, mais conhecedores das dinâmicas sociais. É aí que eu propus essa necessária educação popular aos dirigentes políticos. Realmente, creio que teríamos de fazer uma escola de educação popular para os dirigentes e líderes políticos. Porque não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir”, defendeu Garzón seguido de aplausos da plateia.
O jurista também criticou políticas que ainda se centram em ações individuais, salientando que os países só podem salvar-se com lideranças sociais, educação popular participativa e fortalecimento de lideranças de base. “Parece que sempre estamos a espera, como estão a espera de que aparece uma tocha iluminadora que possa salvar os países desesperados. Os países não se salvam por pessoas individuais, mas sim pela ação constante e contínua da sociedade, com sua participação, com seu compromisso e responsabilidade”, afirmou.
Garzón criticou o modelo de “educação imposta desde cima”, baseada apenas na memorização de conceitos que muitas vezes nem são assimilados por alunos. Assim como Boaventura de Sousa Santos defendeu em sua fala – algo que em seu trabalho acadêmico chama de “ecologia dos saberes” – uma educação que saia da zona de conforto de salas de aula e do lugar comum onde o professor possui um saber absoluto. “Educar é criar consciência de que o mundo é nosso. Infelizmente, a educação antipopular, que tem dominado e que é dominante, na qual está a universidade, é uma educação que não permite a maioria das pessoas pensarem que o mundo é seu. O mundo é sempre algo estranho”, disse.
A tal ordem de uma “educação desde cima”, que coloca estudantes em uma linha padronizada ainda são a realidade do ensino no Brasil. Mauri Cruz, da Abong (Associação Brasileira de ONGs), lembrou que a estrutura do currículo escolar e modelo de avaliação ainda em vigência no país, são heranças da ditadura militar de 1964. “Nos 13 anos que tivemos de governo popular, não tivemos nenhuma mudança dessas estruturas. Perdemos 13 anos”, salientou ele.
A presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), Camila Lanes, também criticou o modelo que não favorece comunicação entre alunos – especialmente aqueles com necessidades especiais e que seguem dependendo de mediadores para falar com seus pares – e os mantém em formação de filas, voltados apenas ao professor. “Escola popular não se dá apenas no pensamento crítico, mas na formação do cidadão”, disse.
O marroquino Driss El Yazami, destacou a situação dos direitos humanos na zona árabe e também defendeu a promoção do espírito crítico e liberdade de pensamento como princípio base da escola. “Há um pensador italiano que não fala em evasão escolar, mas mortalidade escolar. Uma criança que sai da escola é um indivíduo que morre socialmente”, lembrou.
Segundo ele, é por isso que surge no Marrocos a proposta de colocar nos currículos escolares a disciplina de direitos humanos. “Não se trata apenas de uma hora de ensino dos direitos humanos, mas sim de pensar e de estabelecer as relações entre professores e alunos, entre alunos e funcionários, funcionários e professores, todo o sistema da escola”.
Educação como mercadoria
Os participantes também ressaltaram o problema da “mercantilização da educação”. “A educação está ameaçada pela mercantilização e pelo austericídio – a austeridade está nos matando”, disse a sindicalista espanhola Beatriu Cardona. Segundo ela, os planos de austeridade aplicados em diversos países da Europa partem sempre do mesmo princípio: desvalorizam os serviços públicos até que se acredite que a salvação está apenas no setor privado.
Atualmente, o Brasil tem 80% de seus estudantes universitários em universidades privadas. “Temos de tirar o pensamento de mercado da sala de aula. Nós não somos robôs. Eu tenho 19 anos e não sei ainda o que eu quero fazer. Não me sinto preparada para escolher”, disse Camila Lanes sobre o sistema que coloca como roteiro automático o caminho entre a escola e a universidade.
Além disso, uma lei ainda em discussão poderia estreitar ainda mais as relações entre as instituições de ensino e o setor privado. “A educação está se transformar numa mercadoria. A universidade numa mercadoria. Repudiamos esta manhã a lei que está a ser aprovada aqui no Brasil, que vai vincular a pesquisa científica às empresas, que vai transferir financiamento público ao setor privado, que vai deixar mais difícil aos pesquisadores trabalharem com os movimentos sociais. Repudiamos isso. Isso não pode ficar assim”, afirmou Boaventura em sua fala.
Enquanto isso, a inclusão precária de pessoas com necessidades especiais vira pauta secundária. Moysés Martins, rapper, negro e cadeirante, conta que mesmo na periferia ser deficiente físico é visto como punição de condenado. Além da dificuldade de acesso a serviços básicos como mobilidade urbana, Moysés criticou também o modelo de educação formal. “Quem primeiro resgatou Moysés foi a educação popular, que é como eu entendo o RAP. Uma ferramenta de luta contra qualquer tipo de agressão ao ser humano”, disse ele contando sua história pessoal.
Moacyr Gadotti, presidente do Instituto Paulo Freire, falou sobre as críticas ao pensamento do criador da “pedagogia do oprimido”, que busca reverter a exclusão dentro do ensino, em recentes protestos no país. “Diante da criminalização dos movimentos dos últimos anos, o antídoto é a educação popular. A educação não é neutra. Ou foca direitos dos indivíduos ou direitos sociais”.
Excelente site. Excelentes artigos.